A Desnaturalização do Homo Sapiens
Como a falta de natureza afeta a nossa saúde física e mental
Autor: Homã Alvico

A existência do Homo Sapiens no planeta Terra remonta a cerca de 300 mil anos. A espécie sapiens é uma das várias pertencentes ao gênero Homo, que faz parte da família dos hominídeos. Atualmente, todas as demais espécies do gênero Homo estão extintas, possivelmente em parte devido à ação direta ou indireta do Homo sapiens, embora mudanças climáticas e outros fatores também tenham contribuído para essas extinções.
O homo sapiens é um animal. E isso não é nenhuma ofensa. Se ficou de alguma forma desconfortável com esta afirmação, é provável que seja reflexo do distanciamento que cultivamos em relação ao mundo natural. Não nos sentimos animais atrás de uma tela de celular, dentro de um carro sofisticado com os vidros fechados e ar condicionado ligado, não nos sentimos animais no meio de uma metrópole com milhões de habitantes, prédios altos, asfalto e mais asfalto, barulho de motores, buzinas, britadeira. Não nos sentimos animais de dentro de um apartamento que abre a vista para um mar de prédios compostos por infinitos outros apartamentos que também tem como vista outros tantos.
E aí você me pergunta, tem algum problema nisso? Na verdade tem, toda espécie animal coevoluiu milenarmente para habitar um ecossistema, quando tiramos esse animal da proximidade com tudo aquilo que ele reconhece como casa para além do tempo de vida do indivíduo e adentrando nas informações do DNA, vamos ter consequências. 300 mil anos de evolução não se apagam no espaço de algumas gerações.
A partir de uma ótica global, com o advento da revolução industrial no séc. XVIII houve uma ruptura com a natureza, a natureza representava apenas um recurso a ser explorado economicamente, as cidades eram aglomerados de construções precárias com a função de prover abrigo à massa de trabalhadores fabris desterrados do meio rural. Ainda assim é interessante notar que essa era a realidade imposta a base da pirâmide social, a aristocracia, a burguesia e os capitalistas industriais sempre mantiveram confortáveis propriedades bucólicas, onde podiam ter qualidade de vida a partir do contato com a natureza, em suma, nunca houve um momento civilizacional em que a proximidade com a natureza, e seus benefícios foi desvalorizada como um paradigma transversal às classes, apenas foi imposta como realidade para a fatia sem opção.
O distanciamento histórico nos permite ter mais clareza acerca das más condições de vida da população geral no período da revolução industrial, mas será que é possível fazermos um exercício refletindo sobre o contexto urbano atual, de uma metrópole, como por exemplo São Paulo, e avaliar qual é o nível de qualidade de vida de um casal que vive em um “estúdio” de 22m², sem espaços verdes próximos, com os poucos espaços públicos existentes na proximidade que poderiam prover algum contato com o verde, inutilizáveis por conta da segurança? Estímulo esse exercício apenas como provocação.
Observando especificamente o caso do Brasil e a grande maioria dos países da América do Sul, a urbanização massiva, dessas que te distanciam da natureza, aconteceu apenas na segunda metade do século XX, ou seja, há uma distância de duas gerações apenas. Isso corresponde a uma fatia finíssima da experiência do homo sapiens enquanto espécie, algo em torno de 0,02%, ou trocando a escala, caso a idade da existência humana correspondesse a um ano, a experiência da urbanização corresponderia a apenas duas horas. A urbanização massiva teria começado no dia 31 de dezembro às 22h da noite. Eu, e qualquer um diria que é bastante recente, que ainda não compreendemos bem os riscos implícitos neste distanciamento com relação à natureza.

Mas temos algumas pesquisas científicas que evidenciam o contraste de saúde física e mental decorrente da proximidade com a natureza, vou citar abaixo algumas pesquisas com o seu resumo:
"Nature Contact and Human Health: A Research Agenda" (2019)
Autores: Gregory N. Bratman, Christopher B. Anderson, Marc G. Berman, e outros.
Resumo: Este estudo, conduzido por pesquisadores de diversas instituições, propõe uma agenda de pesquisa para entender como o contato com a natureza influencia a saúde humana. Os autores sugerem que a exposição a ambientes naturais pode estar associada a uma redução na incidência de doenças cardiovasculares, obesidade e diabetes tipo 2, além de melhorias na saúde mental. Eles destacam a necessidade de estudos adicionais para esclarecer os mecanismos subjacentes a essas associações.
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"Residential green space in childhood is associated with lower risk of psychiatric disorders from adolescence into adulthood" (2019)
Autores: Kristine Engemann, Hans Erik S. S. Nielsen, Jens-Christian Svenning, e outros.
Resumo: Pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, realizaram um estudo que analisou a relação entre a exposição a espaços verdes durante a infância e o risco de desenvolver distúrbios psiquiátricos na adolescência e na vida adulta. Os resultados indicaram que crianças que cresceram em áreas com mais vegetação apresentaram um risco significativamente menor de desenvolver uma variedade de transtornos mentais mais tarde na vida.
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"Urban green spaces and the risks of cardiovascular disease: A longitudinal cohort study" (2020)
Autores: William D. S. Wheater, John W. Gulliver, Anna L. Hansell, e outros.
Resumo: Este estudo longitudinal, conduzido por pesquisadores do Imperial College London, investigou a associação entre a proximidade a espaços verdes urbanos e o risco de doenças cardiovasculares. A pesquisa acompanhou uma coorte de indivíduos ao longo do tempo e descobriu que aqueles que residiam mais próximos a áreas verdes apresentavam um risco reduzido de desenvolver doenças cardiovasculares, sugerindo que a integração de espaços verdes em ambientes urbanos pode ser uma estratégia eficaz para a prevenção dessas doenças.
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"Wearables and location tracking technologies for mental-state sensing in outdoor environments" (2019)
Autores: Amit Birenboim, Martin Dijst, Floortje Scheepers, Maartje Poelman e Marco Helbich
Resumo: Este estudo explorou o uso de dispositivos vestíveis e tecnologias de rastreamento de localização para detectar mudanças episódicas em sinais fisiológicos como indicadores do estado mental em ambientes externos. Os resultados indicaram que ambientes naturais, como espaços verdes e azuis, podem influenciar positivamente o estado mental dos indivíduos, evidenciado por alterações em sinais fisiológicos como frequência cardíaca e condutância da pele.
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Com a evidência destes e outros estudos científicos, é possível concluir sem incorrer em imprecisões, que ter acesso à natureza, que nada mais é do que estar conectado com a complexa trama da vida da qual fazemos parte, não é um capricho, ou uma preferência, é uma necessidade vital, precisamos disso enquanto espécie, para florescemos como indivíduos saudáveis e felizes.

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